A ovinocultura de corte no Brasil está passando por um processo de profissionalização dos seus atuantes devido a necessidade de se resolver um problema grave, e primário, da falta de mão-de-obra qualificada para assumir as rotinas das propriedades. O primeiro impasse acontece quando se busca funcionários com experiência na atividade, e quando essa contratação é efetivada, uma sequência de erros básicos de manejo passam a afetar diretamente a viabilidade do negócio.
O profissional da ovinocultura de corte se insere na pecuária de forma tardia quando comparado aos profissionais de outras cadeias que produzem proteína animal. Apenas nas décadas de 80 e 90, quando despencaram os preços da lã e muitos produtores abandonaram a atividade, a ovinocultura brasileira mudou seu foco para a produção de carnes e peles (SILVA, 2002). A recém chegada desses profissionais com essa ‘aptidão para corte’ nos sugere um número reduzido na oferta dessa mão-de-obra, que acompanha o diálogo de quem está a campo. Faz-se importante também conhecer o grau de capacitação dessas pessoas e entender quais foram os principais influenciadores nessa formação, podendo assim adotar medidas corretivas para que esse profissional possa atender as atuais perspectivas da sua atuação.
Os ovinos começaram a aparecer em exposições agropecuárias por volta da década de 70, com foco na produção de lã. Nas raças de corte, o objetivo era o melhor porte e peso e desde então, muitos animais foram comercializados por grandes valores e o ovino passou a ser vendido em leilões como animal de elite, sendo que um exemplar assim chegou a ser avaliado em mais de R$ 2 milhões, recorde mundial (Revista O Berro, 2009). Esse mercado de ovinos elite permanece até os dias de hoje, como pode ser consultado em qualquer mídia do segmento, sendo o referencial na busca de genética a ser incorporada nos rebanhos comerciais, conseqüência do massivo marketing e modismo das raças.
Conhecendo esse histórico da ovinocultura de corte, a que nos remete a nossa realidade, podemos começar a enxergar com clareza qual foi o processo de capacitação e aprendizagem no qual o profissional da ovelha foi moldado, e permanece até hoje em quase a totalidade das propriedades.
Em um rebanho de ovinos elite, seguindo os padrões brasileiros, encontramos os ‘animais de baia’, tão temidos pelos ovinocultores que buscam resultados. Esses animais recebem essa denominação por serem criados em condições distintas das condições de um rebanho comercial, perdendo o foco do mercado no qual se destina. A suplementação constante faz parte do sistema de criação adotado nessas cabanhas e os insumos são inviáveis de serem utilizados em uma produção comercial (fenos e rações com altos padrões protéicos e energéticos). Por permanecerem confinados, os animais não participam do ciclo dos vermes helmínticos (pastagem). Seguindo esses sistemas de manejo, os animais recebem um tratamento diferenciado por parte dos funcionários, que auxiliam as fêmeas em partos (os animais são caros, possuem ‘títulos’, não se permite que o animal corra o risco de morrer) e demais atividades rotineiras, que caracterizam o ‘excesso de cuidados’ como uma característica intrínseca na atividade.
Como o mercado de ovinos ‘elite’ avalia o ‘embrulho’, e não o real potencial desse animal em apresentar resultados efetivos no rebanho, essa carência de atributos precisou ser mascarada, assim, os compradores sentiriam o efeito das aquisições após as negociações finalizadas (compra). Como consequência, os resultados que esses animais apresentaram em suas propriedades comerciais não foram o esperado (desde falta de libido, definhamento, até a mortalidade), e na tentativa de amenizar as perdas, a cultura do ‘excesso de cuidados’ passou a confortar funcionários e criadores, apesar da constante evasão da atividade, somada também a outros fatores.
O excesso de cuidados dos funcionários com os animais em todas etapas do sistema de produção (cria, recria e engorda) precisa ser corrigido para evitar dois grandes problemas: ‘desvio de função’ e impedimentos na seleção de animais superiores dentro do rebanho.
Um exemplo prático que podemos citar, encontrado comumente nas propriedades, que representa o ‘desvio de função’, ocorre na estação de nascimento de cordeiros. Quando identificado o abandono das crias pelas ovelhas, tradicionalmente os funcionários ‘forçam’ a adoção desses cordeiros rejeitados no parto por outras matrizes e, caso esse manejo não apresente resultados, os cordeiros passam a ser aleitados através da mamadeira, evitando assim, na teoria, a mortalidade desses animais. Confortante, porém insustentável. O tempo desprendido por esse funcionário na realização desse manejo de reparação deve ser levado em conta! Em uma criação comercial, onde o tempo é precioso, o funcionário precisa ter suas funções otimizadas. Seu foco de atuação deve ser bem definido, e quando se trata de modelos em eficiência, esses tipos de manejo não são permitidos.
Outra consequência dessa cultura é a impossibilidade de realizar um programa preciso de seleção genética do rebanho, pois há constante interferência humana nos resultados apresentados pelos animais. Quando o cordeiro abandonado é adotado, ou aleitado artificialmente, ao sobreviver, passa a mascarar a carga genética que perpetuará no rebanho caso ele participe da reposição, ocasionando também a permanência de matrizes que não possuem habilidade materna. O excesso de cuidados impede que animais de baixa resposta produtiva sejam descartados do rebanho, e quem está no dia-a-dia da fazenda é o funcionário, ele sendo negligente (não propositalmente), o conjunto de resultados da atividade será afetado.
Fica claro que os rumos da atividade influenciam diretamente na qualificação dos profissionais envolvidos. A partir do momento que os ovinocultores adotarem novas tecnologias mudando a realidade da fazenda, principalmente incluindo programas de melhoramento genético que adicionem rentabilidade ao negócio, haverá também uma pressão na seleção de pessoas capacitadas para assumirem o compromisso com os resultados buscados, colaborando assim com o desenvolvimento de atuais e novos profissionais que atendam a expectativa do mercado.
Uma solução imediatista encontrada pelos ovinocultores foi a contratação de funcionários oriundos da cadeia leiteira nacional, pois o manejo diário nessas criações molda um perfil atrativo para o setor, facilitando a aprendizagem do manejo do rebanho ovino, porém, essa prática não se mostra suficiente por si só. É preciso aceitar que a mão-de-obra é fator vital quando se quer controlar a mortalidade dos animais, aplicar novas tecnologias e realizar a gestão dos índices zootécnicos nos rebanhos. A capacitação dessa mão-de-obra deve ser permanente, e encarada como um investimento básico para o sucesso da atividade.
Literatura citada:
SILVA, R.R.da. O Agronegócio Brasileiro de Carne Caprina e Ovina. Salvador, 2002.
Revista O Berro, “As exposições e os ovinos”, fevereiro de 2009.
Equipe CordeiroBIZ